CAPÍTULO 2
Bernardo
Naqueles dias, por causa dos jogos, nós estávamos
tendo aulas à tarde. Eu estava distraída pegando alguns livros na minha mesa
quando, sem querer, eu esbarrei em Bernardo que fazia não sei o quê na minha
sala, pois ele estudava um ano na minha frente. Ele parecia meio sem jeito,
falou um “oi” meio esquisito e saiu andando, me deixando sem saber o que fazer
com as minhas mãos, olhando enquanto ele se afastava. Depois ele se voltou:
_ Anh... Carol! _ ele disse com um sorriso meio sem
graça.
_ Hã?
_ Sobre hoje..._ ele começou.
_ Precisa pedir desculpas, não._ eu me apressei em
dizer_ Eu entendo a sua euforia...
_ Não é isso, é que...
_ Hum? _ eu disse ansiosa para ouvir o resto, será que
ele havia percebido a bola parada?
_ Há algum tempo que venho reparando em você. Nunca
havia percebido antes o quanto seus olhos são bonitos!
“Meus olhos? Por trás dessa armação de tartaruga?”
pensei.
Diante do meu espanto, ele continuou:
_ São de uma cor indefinida, meio verde, meio cor de
mel, parece cor de folha de outono... Sua boca também é linda!
_ Anh!... O-Obrigada! _ meu coração continuava dando
cambalhotas e eu torcia para que ele não percebesse o quanto meus joelhos
estavam batendo um no outro, num tremor absurdo. Olhos cor de folha de outono!
Quem poderia imaginar Bernardo falando uma coisa dessas?
_ Bom, a gente se fala! Tchau.
_ A gente se fala! Tchau. _ repeti meio tonta.
O tempo passou rapidamente. Por que o tempo passa tão
rapidamente quando estamos felizes? Ao final da aula quando eu estava saindo da
escola, Bernardo chamou meu nome. Eu parei e olhei para trás, achando que
estava tendo algum tipo de alucinação, mas ele vinha ao meu encontro,
caminhando sem pressa.
_ Você se importa se eu te acompanhar na saída? _ ele
perguntou.
_ Não! Quer dizer, claro que não..._ eu abaixei os
olhos e sorri meio tímida (será que eu não poderia parecer mais natural?).
_ A gente não tem se falado muito não é mesmo?
Isso era um absurdo, porque, até aqueles últimos e
loucos dias, a gente não tinha se falado NUNCA.
_ É mesmo! A gente não tem se falado muito. _ Se ao
menos eu parasse de ficar repetindo as coisas como um papagaio.
_ Você tem algum plano para amanhã à noite?_ seria
noite de sábado, eu TINHA que ter alguma coisa pra fazer.
_ N-Não! Por quê? _ Augh! Eu devia ter falado que tinha algum compromisso.
_ Sei lá! Pensei que a gente poderia, tipo, comer uma
pizza! _ ele disse, parecendo um pouco tímido, os olhos cinzentos me olhando
intensamente.
Eu sorri e quase deixei meus livros caírem ao chão.
Caraca! Odiando o meu comportamento por deixar meus sentimentos aparecerem com
tanta nitidez, eu me deixei envolver por aqueles olhos. Bernardo estava magnífico
com os cabelos loiro-escuros revoltos pelo vento do fim da tarde.
_ Tá! Hã... Tá bom! Uma pizza então... A que horas? _
eu perguntei me atrapalhando mais com os livros.
_ Pode ser, tipo, às sete e meia?
_ T-Tudo bem! Sete e meia. Hã... Então tchau, né? _
nós já estávamos na porta da minha casa.
_ Tchau._ e ele me lançou um olhar penetrante que fez
meu corpo todo formigar e me deu uma vontade louca de rir e chorar ao mesmo
tempo, enquanto ele se afastava.
À noite, já deitada eu me achava uma idiota. Bernardo
NUNCA havia prestado atenção em mim. Eu sempre havia sido louca por ele sem
jamais ter sido notada. De repente, depois que eu me tornei a celebridade do
momento, ele começou a me dar bola, me beijou e eu fiquei com esse jeito de
trouxa! Esse não era o maior dos meus problemas: Parecia que eu estava pirando!
Sair com Bernardo era tudo que eu sempre havia sonhado, mas, agora eu não
queria tanto assim!
“Será que você só o queria quando ele não te dava bola
e agora que ele se interessou você não quer mais?” _ uma vozinha falava dentro
de mim.
_ NÃO!_ Eu gritei para calar essa vozinha absurda_ Eu
sempre quis ter o Bernardo e ainda quero!
“Mas pode ser verdade.” _ a vozinha irritante
continuava a me perturbar. E eu acabei passando uma noite insone, com esse vai
não vai sem saber o que estava acontecendo com os meus sentimentos em relação a
Bernardo.
O sábado amanheceu magnífico! Nenhuma nuvem no céu,
temperatura agradável, enfim, era tudo que eu precisava para ter um dia
radiante. Mamãe cantarolava “Ó Pitangui dos salõõõões, das grandes caasas
senhoriaaaaaais...” enquanto continuava a preparação da minha festa. Não
sei o quanto ela ainda tinha que preparar, mas, ela dizia que seria um
acontecimento muito importante para mim. Eu também não sabia a causa de tanta
importância, mas, naquele momento, meu problema era outro: Eu queria desmarcar
o encontro com Bernardo! Como fazer isso se eu não sabia nem ao menos o número
do telefone dele?
“Se você quer mesmo desmarcar esse encontro, procure o
telefone da casa dele na lista telefônica” _ uma vozinha ainda mais irritante
que a da noite anterior me dizia. Eu tentava me justificar, dizendo para mim
mesma que seria indelicado desmarcar em cima da hora e, por outro lado, era
apenas uma pizza!
O sábado acabou sendo, para mim, pior do que a noite
insone. Perto das sete horas eu fui tomar um banho e me arrumar. Já não havia
mais tempo para desmarcar nada. Tirei os óculos para passar uma sombra marfim e
rímel nos olhos (eu nunca havia me maquiado daquele jeito, uau!) e cheguei a me
achar atraente. Na verdade, usei óculos a minha vida inteira e nunca pensei em
tirá-los para sair, então, o que vi no espelho foi outra pessoa, não eu. Até
bonita eu estava! É claro que o meu nariz continuava tendo sua base muito larga
e ainda era arrebitado demais, mas, minha aparência já havia melhorado! Resolvi
prender os cabelos para cima na parte da frente, criando um efeito bonito no
meu rosto sem óculos. Para completar, coloquei algumas gotas do meu perfume
preferido atrás das orelhas e nos pulsos e desci as escadas.
Quando eu cheguei lá embaixo, mamãe deu um pequeno
gritinho, a mão que segurava uma xícara de chá parada no ar, no meio do caminho
entre o pires e a boca.
_ Você está linda, minha filha! Vai sair? Com quem?_
ela conseguia me atropelar com suas perguntas.
_ Vou só comer uma pizza com Bernardo, mãe. Preocupa
não.
_ Com Bernardo? Aquele do futebol? _ a mão continuava
no ar. Ai, meu Deus! Por que eu fui contar?
_ É, mãe.
_ Eu sabia que ia dar certo! _ finalmente ela colocou
a xícara de volta na mesa, sem, no entanto, ter tomado seu chá.
_ O “quêqueía” dar certo?
_ Nada, somente intuição de mãe. _ ela não me
convenceu. Comecei a pensar que toda aquela história de festa de aniversário
importantíssima tinha a finalidade de me desencalhar, mas não tive tempo de
perguntar por que a campainha soou e era Bernardo, vestindo uma camisa azul que
fazia seus olhos ficarem mais luminosos e com os cabelos levemente molhados
jogados de lado.
Como íamos bem perto de casa nós fomos a pé mesmo.
Chegamos à pizzaria e a dona do estabelecimento, que me conhecia desde criança,
me olhou com espanto:
_ Queííísso Carol! Quase não te reconheci. Você tá muito
bonita, menina!
Eu enrubesci e percebi que Bernardo olhou para mim
orgulhosamente, me deixando desconcertada. Antes, tudo o eu queria era Bernardo
ao meu lado e orgulhoso de mim, mas, agora, não sabia se era isso mesmo que eu
queria.
Nós nos sentamos e fizemos os nossos pedidos. Para
dizer a verdade, eu tinha um nó no estômago, tinha a impressão que nada
desceria pela minha garganta, então, pedi uma pizza leve sem muita cobertura,
somente para ter onde colocar minhas mãos.
A conversa fluiu mais naturalmente do que eu pensava.
Bernardo contou casos engraçados da sua infância, falou de um medo horrível que
ele tinha de tubarões e me falou a respeito da cumplicidade que ele e sua irmã,
Duda, tinham desde pequenos. Isso me deixou meio triste, pois, além de nunca
ter tido uma irmã, minha única amiga não falava mais comigo e ele teve a
sensibilidade de prestar atenção quando uma sombra passou pelos meus olhos.
Assim, o assunto acabou caindo sobre minha história
com Sissi. Ele também havia percebido seu afastamento e, como não era bobo,
percebeu como todos começaram a me tratar bem na escola depois que os convites
da minha festa foram distribuídos.
Ele confessou que começou a me olhar também por causa
da história da festa, que nunca havia prestado muita atenção em mim antes (em
parte por culpa minha, pois, eu sempre dava um jeito de ficar olhando para ele
de longe, de forma que ele não me visse).
_ Mas, quando te olhei melhor, vi que você era linda!
_ Ele me disse com um sorriso meio tímido, meio doce, que fez com que eu
acabasse me engasgando com a pizza e tendo um ridículo acesso de tosse. Eu
queria novamente que um algodão-doce gigante me engolisse naquela hora, mas,
parece que os doces não tinham muita boa-vontade em me ajudar.
Quando minha crise de tosse passou, eu apenas sorri,
timidamente, enquanto ele continuava:
_ Comecei a te observar nos treinos da torcida e fiquei
com raiva de mim por não ter prestado atenção em você antes. Naquele momento me
deu uma vontade doida de te beijar e no dia que vencemos o jogo eu não resisti.
Depois fiquei assustado com a minha audácia porque você poderia ter me
rejeitado.
_ Eu jamais faria isso... _ eu mergulhei nas
profundezas daqueles olhos cinzentos ao dizer isso.
_Por quê? _ havia muita doçura em seus olhos.
_ Porque eu sempre te olhava de longe..._ confessei,
envergonhada. Ah! Por que eu fui falar aquilo? Bernardo não era o que eu queria
para mim! Isso foi ANTES e era por isso que eu o olhava de longe, mas, agora...
Ele pousou sua mão sobre a minha em cima da mesa e
disse, olhando no fundo dos meus olhos:
_ Agora que te encontrei nunca mais te deixo escapar.
Ai, ai, ai. E agora?
_ Eu me rendo _
ele levantou as duas mãos, gracejando_ Fiquei louco, tô completamente
apaixonado.
Eu jamais conseguirei me lembrar do final daquela
noite. Apenas sei que, quando ele me deixou na porta de casa, eu recebi um
beijo doce, apenas um toque leve em meus lábios e fiquei completamente
atordoada porque meu interesse por ele parecia ter desaparecido.
Eu imaginei que a minha reação fosse por causa do
choque, porque foi tudo muito rápido e eu não estava esperando que ele
começasse a me notar da noite para o dia, mas, de qualquer forma, era tudo
muito estranho. Eu fiquei acordada por um longo tempo, enrolando meu cabelo com
os dedos e olhando as estrelas pela janela.
Engraçado, eu me julgava tão feia e desengonçada e
achava que os sonhos não eram para mim... E agora... Tudo está tão diferente!
Quando cheguei a dormir sonhei que Bernardo me beijava
e era um beijo delicioso, ardente e úmido. Suas mãos passeavam sensualmente
pelo meu corpo enquanto ele me puxava para perto de si, colando seu corpo em
toda extensão do meu e sua boca se movia sobre a minha fazendo meu peito
parecer uma brasa ardente. Eu estava quase desfalecendo com a intensidade
daquele beijo quando ele se afastou. O que aconteceu a seguir foi muito louco:
quando ele parou de me beijar e eu abri os olhos, não foram os olhos cinzentos
de Bernardo que eu vi bem pertinho do meu rosto. Eu vi um penetrante par de
olhos negros que me fitavam de uma maneira totalmente desconcertante.
Acordei suando, tremendo e com o coração disparado.
O garoto que havia me beijado daquela maneira
alucinada era alto e bonito, com fartos cabelos escuros caindo sobre a testa
com displicência e um olhar zombeteiro. A forma como ele me olhava não parecia
com o modo de olhar de alguém que havia acabado de me beijar. Ele disputava
minha atenção com Bernardo, meio que o jogando de lado e ficando
insistentemente perto de mim.
Demorei muito a dormir de novo e abri os olhos domingo
de manhã estranhando meu sonho. Quem era aquele garoto? Por que ele me olhava
daquele jeito irreverente? E, pior, por que ele
havia me beijado e não Bernardo? Eu deixei de pensar nele quando me lembrei de
Bernardo. Apesar de tudo eu estava me sentindo meio frustrada. Eu ainda não
tinha sido ardentemente beijada. Eu queria sons de sinos, queira um beijo
ardente como o do sonho, queria um beijo demorado, molhado, ofegante! Ah! Eu
queria aquelas mãos sensuais no meu corpo de novo, aquela sensação abrasadora
no peito. Quando isso iria acontecer?
Quando desci para o café da manhã, mamãe disse
escandalosamente:
_ Carol! Você está com a aparência ótima!
Papai levantou os olhos do jornal e eu olhei para os
dois com um olhar furioso que dizia: _ “Não adianta, não vou contar nada!”.
Meu pai voltou a ler o jornal e mamãe me serviu de
granola com iogurte.
_ Por que você voltou a usar os óculos? Ficou tão bem
sem eles ontem! _ mamãe disse, servindo-se de suco de laranja.
_ Achei que, tipo, era para usar o tempo todo, não foi
isso que a médica sempre falou?
_Acho que me lembro de tê-la ouvido falar que você só
precisaria usar óculos até os dezesseis anos. E como já vai completar na semana
que vem... O que você acha de não usar mais?
Uau! Essa era a última frase que eu esperava ouvir de
minha mãe. Ela jamais me deixou ficar sem óculos, dizendo que eu prejudicaria
minha visão se não os usasse e me obrigava a usar esses horríveis aros de
tartaruga as vinte e quatro horas do dia!
_ Hã... Mãe, eu não consigo me lembrar de ter ouvido a
Dra. Maria Emília marcar uma data para que eu parasse de usar os óculos...
_ É claro que você não se lembra, querida, está sempre
com a cabeça nas nuvens! Mas, sim, é verdade! Você já pode ficar sem eles!
Sentiu falta deles ontem à noite? Enxergou mal ou coisa assim?
_ Não, mas...
_ Então é porque você já não precisa mais deles. Faça
um teste, passe o dia sem eles hoje e amanhã tente ir à aula sem usá-los. Se
você não sentir falta deles, é porque não precisa mais usá-los. _ minha mãe
fazia tudo parecer tão fácil _ Depois marcaremos uma consulta com a Dra. Maria
Emília para tirar essas minhocas da sua cabeça.
_ Tá bom, mãe. _ eu ficava até feliz em concordar com
ela, porque eu detestava usar aqueles óculos que aumentavam ainda mais a minha feiura.
Tirei-os e coloquei um pouco de leite no meu café, enquanto minha mãe servia
café puro ao papai, reclamando porque ele sempre preferia o seu café assim, sem
nada.
Bernardo viria me pegar depois do almoço para
passearmos, então, aproveitei para fazer as lições de casa que estavam
pendentes na parte da manhã, assim também eu ficaria livre dos olhares inquiridores
de minha mãe.
Às duas horas eu já estava pronta (e sem os óculos)
quando Bernardo desceu do carro e tocou a campainha. Isso era meio estranho pra
mim, no segundo ano ninguém da minha turma tinha carteira de motorista, mas,
ele estava no terceiro e já tinha 18 anos. Meus pais gostaram dele.
_ Oi D. Beatriz, oi Dr. Albano.
_ Oi Bernardo! _ minha mãe foi a primeira a responder.
_ Boa tarde, Bernardo, como vai seu pai?_ papai estava
mais formal.
_ Bem, mandou lembranças pro senhor. _ Bernardo também
estava formal com meu pai.
_Agradeço. Transmita-lhe meus cumprimentos, por favor,
não se esquecendo de sua mãe, é claro.
_ Esqueço não, Dr. Albano. Se Carol estiver pronta, a
gente já pode ir.
_Hã! Tô pronta. Tchau mãe, tchau pai... _ eu disse,
atirando um beijo na direção dos dois.
Assim que entrei no carro Bernardo me deu lançou um
olhar de tirar o fôlego!
_ “Caraca! Será que um dia vou me acostumar com isso?”
_ pensei com taquicardia. Ao que parece, a taquicardia seria minha companheira
dali para frente se eu não aprendesse a me controlar.
A gente foi até o Santuário de Conceição do Pará, um
lugar bem gostoso pertinho de Pitangui. Nós ficamos algum tempo sentados na
grama, apenas olhando um para o outro, até que ele foi chegando lentamente e
tocou as minhas mãos com suavidade (cadê o beijo ARDENTE?), mesmo assim meu
coração parou de bater por longos segundos. Meu Deus, não era ISSO que eu
queria para mim! Então, o que era? O que será que eu estava esperando quando
sonhava com um amor totalmente diferente daquela estranha relação que eu estava
vivendo com Bernardo?
Depois ele pegou a minha mão e ficou brincando com os
meus dedos:
_ Você tem dedos de pianista...
_ Mas nunca aprendi a tocar, nem a dançar, nem a
cantar _ eu brinquei.
_ Bom, tocar e cantar não posso lhe prometer, mas,
garanto que comigo você vai dançar, começando pelo baile de seu aniversário.
Apesar do meu embaraço, Bernardo conseguia me fazer
rir de uma forma bastante descontraída. Eu dançando? Mas nem ensaiando dia e
noite sem parar!
_ Tímida do jeito que eu sou? Eu não acho que seria
capaz de dançar um dia. _ eu disse, enquanto Bernardo brincava com meus dedos.
A tarde passou tão rapidamente que nós dois assustamos
quando vimos o sol começando a se por.
_ “Quando a gente está muito triste, gosta do pôr do
sol”, dizia o Pequeno Príncipe de Saint Exupéry. _ eu falei_ Mas quando a gente
está muito alegre também gosta... _ e eu, estranhamente, não estava nem triste
nem alegre naquele dia, estava apenas gostando do luminoso espetáculo que meus
olhos miravam.
_ Olha pro céu, tá lindo com as estrelas despontando
como se fossem milhões de luzes se acendendo... _ Bernardo falou sonhador.
Ficamos mais um tempo olhando o sol se pôr e entramos
no carro para irmos embora. Ao chegarmos à frente da minha casa ele disse:
_ Amanhã passo aqui pra gente ir à escola. _ e me deu
um beijo no alto da cabeça. Eu sempre me considerei uma garota alta, com um
metro e setenta e sete de altura e pernas de cegonha, mas Bernardo era muito
mais alto que eu, que tinha que olhar para cima para falar com ele.
_ Ok! Vou ficar te esperando.
Eu não queria nem pensar em qual seria a reação das
pessoas da escola ao nos verem chegar, mas... Isso já não importava mais. Minha
vida havia mudado tanto na última semana que eu quase não me reconhecia. O mais
importante seria a MINHA reação. O que será que eu iria sentir quando
acontecesse aquilo que eu mais sonhava? Eu estava me sentindo tão estranha!
No dia seguinte, depois de outra noite insone, eu
vesti uma blusa rosa pálido, bem justa e, por cima, um casaco cor de salmão.
Arrematei com uma fita rosa - escuro nos cabelos. Pouco tempo depois, após
engolir rapidamente o café da manhã, eu já o esperava na porta de casa. Ele
veio me pegar de carro! Ele nunca ia de carro para a escola! Diante do meu
espanto ele disse, sorrindo:
_ Quero que a escola toda veja que eu estou namorando
a menina mais bonita que existe!
Onde ele via beleza em mim eu nunca saberia dizer,
mas, fiquei muito orgulhosa. Ainda que eu não tivesse mais certeza dos meus
sentimentos, eu estava feliz. Eu sabia que ele estava sendo sincero quando ele
dizia que eu era linda, não havia nada que me provasse isso, mas eu podia
sentir a verdade em suas palavras.
Ao chegarmos ao estacionamento da escola eu saí timidamente
do carro quando ele veio abrir a porta do passageiro para mim.
Consegui ver a troca de olhares entre Clara e Sílvia
(seria inveja?), mas elas vieram correndo me receber com beijinhos regados de
“ais” e “uis”. Como Bernardo estudava um
ano na minha frente, eu podia notar o olhar de rancor das meninas mais velhas
da escola por ele estar comigo. A um canto, afastada, eu consegui ver Sissi,
com o queixo caído, olhando em minha direção. Se nós não estivéssemos brigadas
eu falaria para ela “fecha a boca e segura esse queixo!”, mas não pude dizer
nada.
Bernardo acompanhou o meu olhar e apertou a minha mão.
Ele sabia que eu estava sofrendo com essa separação. Fomos cada um para a sua
aula e combinamos de nos encontrar no recreio. Mas, na hora do encontro, minha
maior surpresa não foi ver que Bernardo já estava na porta da minha sala me
esperando, mas, sim, quando ele puxou Sissi pelo braço quando ela passava por
nós e disse com um sorriso capaz de derreter os corações mais gélidos:
_ Acho que vocês duas têm alguma coisa pra conversar.
Eu vou andando na frente.
Fiquei olhando para Sissi com cara de tacho e ela
também ficou espantada, olhando para mim. Comecei a rir e ela também.
_ O que aconteceu com seus óculos? Quebraram?
_ Acho que a única coisa quebrada aqui é o gelo entre
nós duas.
Ela riu alto e nós nos abraçamos. Eu consegui
convencê-la de que realmente eu não sabia de nada sobre a minha festa e muito
menos sobre a história do show do Poeira. Ela respondeu que imaginava que sim,
mas não queria dar o braço a torcer e se sentiu um pouco deixada de lado com
minhas novas amigas.
_ Sissi, se liga! Eu não tenho novas amigas! Você acha
que eu não sei que toda essa turma está me bajulando por causa da minha festa e
show do Poeira? A única amiga que tenho é você!_ eu disse abraçando-a.
_ Foi mal. Agora me conta esse caso com o Bernardo.
Anda, fala logo!
Gastamos todo o tempo até a lanchonete falando sobre
ele. Ela ficou abismada quando eu disse que ele declarou que nunca havia
prestado muita atenção em mim antes de eu me tornar uma “celebridade” na
escola. Falou que ele foi muito abusado em confessar isso.
_ “Será?” _ eu pensei. _ Pode ser..._ falei em voz
alta.
Quando entramos na lanchonete, Bernardo nos esperava
encostado em um canto com um largo sorriso naquela boca linda.
_ Eu sabia que uma amizade como essa não iria acabar
por causa de ciuminho à toa. Vamos comer que eu não me aguento de fome!
Durante o lanche eu consegui convencer Sissi a ir
comigo e as outras garotas à Maneca para comprar as roupas para a minha festa.
Ficou acertado que nós iríamos fazer as compras no sábado seguinte.
Eu fui para a minha casa com Bernardo e Sissi no fim
da aula e na esquina da pracinha ela se despediu de nós, descendo do carro e
virando à direita a pé, enquanto Bernardo me levou até a minha casa. Mas aí,
outra coisa estranha, daquelas que costumam me acontecer de vez quando ocorreu.
Depois que Bernardo me deixou em minha casa, eu desejei desesperadamente falar
com Sissi para me desabafar um pouco, falar dos meus sentimentos, sei lá, tipo,
só sei que precisava muito falar com ela. Não se passaram dois segundos e meu
celular tocou. Era Sissi me dizendo:
_ Pode entrar, o portão está só encostado, porque você
ficou me gritando daí sem tocar o interfone?
_ O quê? _ eu não estava entendendo nada.
_ Entra logo ou você quer que eu vá aí te buscar?
_ Me buscar aqui em casa? Pra quê?
_ Na sua casa não, tonta, no portão da minha casa se
você não se resolver a entrar.
_ Mas eu não tô no portão da sua casa, de onde é que
você tirou isso?
_ Como? Eu ouvi claramente você gritar meu nome várias
vezes aqui fora. Você já pode aparecer, eu tô no portão de casa e não tô te
vendo. Aparece de uma vez Carolina, deixa de graça! _ ela falava de um jeito
bem mineiro.
_ Isso NÃO é possível, porque eu estou entrando na minha
casa nesse exato momento e não gritei
seu nome nenhuma vez. Mas, o estranho é que eu
queria desesperadamente falar com você e você me ouviu gritando o seu
nome...
_ Eu, hein! Não é à toa que eu vivo falando que você
parece bruxa! Credo!
O susto foi tanto que eu me esqueci de falar com Sissi
sobre minhas inquietações, o que talvez tivesse sido uma boa ideia,
considerando-se o que estava por acontecer. Sissi ouviu minha voz chamando por
ela quando eu queria falar com ela... O inverso também já me aconteceu, eu já ouvi
a voz de minha mãe me chamando, sem que ela proferisse meu nome em voz alta,
mas, ela queria me falar e também já ouvi outras pessoas me chamarem sem que
elas tivessem feito isso, mas, queriam me ver. Isso tudo é muito estranho, mas,
como estamos falando de mim e coisas estranhas sempre me acontecem, tudo passa
a ser normal.
O resto da semana passou voando. Eu ainda não havia
dito a Sissi nada a respeito dos meus sentimentos com relação a Bernardo porque
cheguei à conclusão de que ela não entenderia nada, afinal, durante quase de quatro
anos tudo o que eu mais queria era ser a namorada dele e agora que eu consegui
o que queria, eu simplesmente vejo que “não era bem assim”, não deixa de soar
muito estranho.
Quando chegou o
sábado nós todas fomos comprar as roupas. Sissi escolheu um vestido azul que
combinou muito bem com ela, Clara comprou uma roupa bem bonita cor de pêssego,
Sílvia ficou na dúvida entre uma túnica amarela acinturada e um vestido longo rosa
claro, mas, acabou comprando uma roupa acetinada em tons de verde, Cláudia
comprou uma calça de camurça e uma blusa de seda vermelho-escura que lhe caiu
muito bem, Sara e Marina quase brigaram por causa de um vestido dourado que
nenhuma delas comprou e, no final, todas nós saímos satisfeitas da loja. As
meninas gostaram da roupa que eu comprei, mas, o meu vestido, por ser da
aniversariante, ninguém iria ver. Seria surpresa! Afinal, qual a aniversariante
que mostra seu vestido antes da festa?
Ao sairmos da
boutique, as vendedoras nos desejaram boa sorte na festa, satisfeitas pela
fabulosa venda que tinham acabado de fazer!
Nenhum comentário:
Postar um comentário