domingo, 23 de junho de 2013

OUTONO 3º CAPÍTULO

Então está aqui, o terceiro capítulo de "OUTONO" conforme prometido! Quero agradecer as pessoas que me mandaram recados carinhosos sobre sua ansiedade em ler o terceiro capítulo e àqueles que divulgaram o blog aos amigos a fim de que chegássemos logo aos 50 seguidores! Em menos de 24  horas atingimos a meta. Espero que gostem:

CAPÍTULO 3
          Eu sabia que aquela não era uma simples festa

Enfim o dia da festa chegou. A minha falta de animação inicial havia se convertido em total ansiedade, afinal, foi por causa da insistência de minha mãe em comemorar meu aniversário em alto estilo que eu estava namorando o garoto mais cobiçado da escola _ apesar de não ter mais muita certeza de que queria continuar com ele _ e isso havia melhorado meu relacionamento com todos por lá. Também por causa da festa eu não usava mais meus horríveis óculos de tartaruga e estava mais popular do que nunca na escola _embora essa última parte ainda me deixasse meio confusa porque minha timidez continuava.
Eu me levantei ainda sonolenta, vesti um short branco e uma camiseta de malha azul clara e amarrei uma fita branca nos cabelos. Passei um batom levemente rosado e desci para a cozinha. Não havia ninguém em casa, pelo menos eu não estava vendo.
_ Carol! _ minha mãe chamou do jardim. _ Venha ver como a decoração ficou bonita.
Eu saí da cozinha e parei, surpresa com o que via. O jardim havia sido totalmente transformado para a festa, havia uma enorme tenda branca onde seria realizado o baile e, no centro, um palco para a apresentação do Poeira (sim, era verdade, eles iriam se apresentar na minha festa), luminárias japonesas enfeitavam a entrada da casa, formando uma alameda iluminada e havia grandes arranjos cada um com cinco dúzias de rosas vermelhas espalhados por todo o jardim; a um canto havia uma admirável mesa coberta com uma toalha de damasco branco com um pedestal de três andares que serviria para colocar o bolo que estava para chegar. Estava tudo tão bonito, nem parecia a minha casa!
O mais interessante nisso tudo foi que quando fui me deitar, na sexta-feira à noite, não havia nenhuma movimentação para a transformação do jardim e no sábado quando me levantei estava tudo quase pronto, com exceção de um ou dois detalhes que o pessoal do Buffet ainda estava confeccionando. Como será que isso aconteceu?
No decorrer do dia, entre a movimentação de ir ao salão de beleza, à manicure, escolher as joias que iria usar naquela noite e me arrumar para receber os convidados, esse detalhe acabou passando despercebido, mas, eu precisava me lembrar de perguntar à minha mãe quem era esse pessoal que arrumava tudo tão rápido e sem incomodar a ninguém.
Mais tarde, no salão, Jacó conseguiu fazer um verdadeiro milagre em mim. Puxou a parte da frente dos meus cabelos para cima, deixando cair alguns fios sobre a minha testa e fez enormes cachos escorregarem por sobre meus ombros. Para finalizar, ele borrifou um “spray” com brilho que fazia os fios cintilarem a cada movimento da minha cabeça. Enfim, eu tinha o cabelo dos meus sonhos e usava um vestido verde musgo que combinou muito bem com os meus olhos, drapeado no corpete e com uma ampla saia bem vaporosa.
Lá pelas nove horas os primeiros convidados começaram a chegar. Bernardo já estava lá ao meu lado me ajudando a recebê-los.
Conforme minha mãe falou, todos os velhos parentes que eu não via desde menininha vieram: Tia Rovena, tio George, tia Samanta, tia Helena, tio Zacarias, os primos Magno, Fabíola, Alícia, Hannah, Gisela, Ortiz, Alex e muitos outros parentes que eu não me lembro dos nomes.
Os colegas da escola também estavam chegando: Os inseparáveis Leandro e Gustavo, Clara, Silvia, Cláudia, Sara, Marina e Sissi, acompanhada de sua mãe e do mais novo namorado dela.
Quando eu pensei que não faltava mais ninguém, chegou uma senhora idosa de cabelos brancos e porte elegante, envergando um vestido preto e pérolas de duas voltas no pescoço. Devia ser alguém muito importante, porque todos os meus parentes, incluindo meu pai e minha mãe, foram recebê-la.
_ Carol! _ minha mãe chamou _ Quero que conheça uma pessoa especial. _ ela me levou pela mão até aquela senhora que parecia envolvida numa aura de poder.
E poder ela tinha mesmo porque quando ela estendeu a mão e tocou a minha eu senti como se uma corrente elétrica estivesse passando por todo o meu corpo enquanto minha mãe dizia com respeito:
_ Essa senhora é a pessoa mais importante que você jamais conheceu. Seu nome é Ambrosina, lembre-se desse nome! 
Eu curvei a cabeça, numa reverência muda que, inexplicavelmente, senti que deveria fazer à majestosa senhora acabara de adentrar em nossa casa.
Eu pensei que a D. Ambrosina fosse a última pessoa a chegar, mas, depois dela, um casal de extrema formosura entrou acompanhado de um rapaz que deveria ter dezoito ou dezenove anos e era tão bonito quanto os pais.
Olhei melhor. Bonito? Queísso! Ele era belíssimo: Rosto juvenil, traços finos e aparência angelical. A pele era macia e delicada e seus olhos refletiam a beleza da noite sem luar. Caraca! Era ele! O garoto dos meus sonhos, aquele que havia me beijado daqueeeela maneira! Ah, não! Aquilo não estava acontecendo! Eu comecei a tremer e a suar frio. Cadê o algodão-doce?
_Você está bem? _ Bernardo perguntou, mas, eu nem tive tempo de responder, porque minha mãe me puxou pela mão.
_ Ah! Robert Tatcher e a família! Venha, vamos recebê-los! _ ela estava completamente excitada.
Tatcher? Eu nunca havia ouvido falar que houvesse alguém com esse sobrenome em Pitangui. Seriam ingleses? Eles tinham o mesmo sobrenome daquela mulher que a professora falou na aula de História Contemporânea, a Dama de Ferro da Inglaterra, só que eu me esqueci como era o primeiro nome dela, seria Margareth, talvez? Bem, isso não importava naquela hora.
Como estava claro que nenhum doce gigante viria me socorrer daquela situação absurda, eu soltei sem muita vontade a mão que Bernardo segurava e fui receber aquela família tão cheia de graça e de encanto e de quem eu nunca ouvira falar.
_ Carol, apresento-lhe Robert, Charlotte e Erick Tatcher. _ Pelos nomes, eles eram mesmo estrangeiros. Charlotte era belíssima, mas, Robert e Erick eram inumanamente belos.
_ Muito prazer!_ eu murmurei ao apertar a mão de Charlotte e Robert, estranhando o fato de jamais tê-los visto antes. Quando estendi a mão para Erick, ela estava molhada de suor e meu coração pulava. Ele pareceu perceber, porque me puxou levemente com um sorriso zombador no olhar e me deu um beijo no rosto, provocando em mim, do mesmo modo que antes, todas as sensações daquele sonho.
Eu me afastei abruptamente e ele riu de novo. Caraca! Como fui sonhar com Erick Tatcher sem nunca ter sabido da sua existência? E ele parecia saber disso, era como se ele invadisse a minha mente e visse tudo o que se passava dentro de mim.
Eu pedi licença e me afastei absorta em meus pensamentos. Talvez eles morassem em outro país, e por essa razão eu nunca ouvira falar deles, mas, isso não explicava o motivo de Erick ter invadido o meu sonho. Eu não fazia a menor ideia de onde vinha aquela família, pois, eles falavam um português perfeito, apesar do sobrenome inglês e da aparência de estrangeiros.
Eu não conseguia parar de pensar em como Erick Tatcher era estranhamente bonito e em como ele me olhava fixamente. Estava claro que ele sabia que eu havia sonhado com ele. Será que ele também havia sonhado comigo?
_ “Deixe de ser boba!” _ eu falei pra mim mesma e continuei olhando para aquele rosto de deus grego. Não é humanamente possível alguém ser tão belo assim! Isso não é justo para com os outros homens. Bernardo é muito bonito, mas, ele não chega nem aos pés de Erick!
Para me deixar ainda mais confusa, minha mãe me chamou à parte e disse, num tom confidencial:
_ Minha filha, eu lhe peço, não estranhe _ ela enfatizou bem a palavra não _ nada que vier a acontecer nesta noite, nem a chegada e muito menos a saída dos convidados, aja naturalmente por mais estranho que tudo possa lhe parecer.
Dizendo isso, ela me deixou de queixo caído e desapareceu como se fosse fumaça.
Eu e Bernardo começamos a circular por entre os convidados, conversando aqui e ali e vendo com curiosidade como todas as garotas estavam eufóricas com a apresentação do Poeira.
Às dez horas em ponto, meu pai subiu ao palco e pediu a atenção de todos para chamar a banda Poeira na Estrada. De onde eles saíram? Eu não ouvi ninguém falar que eles haviam chegado, nem vi nenhum deles em momento algum antes de papai chamá-los ao palco... Que coisa intrigante! Bem que minha mãe me disse para não estranhar nada naquela noite... Aquele deveria ser um dos fatos a que ela se referia...
As meninas gritaram, choraram, algumas ameaçaram desmaiar... Eles cantaram algumas de suas melhores músicas, posaram com gentileza para fotos ao lado de todas as garotas da escola e depois foram embora, desaparecendo como fumaça também. Outra coisa extravagante!
O mais engraçado de tudo é que ninguém parecia estar achando nada esquisito. Bernardo estava comigo o tempo todo e não percebia (pelo menos era o que eu pensava) todas as coisas loucas que estavam acontecendo. Isso era assustador!
Eu parei de pensar na esquisitice das coisas quando Bernardo me puxou para dançar. Eu não queria, eu havia dito a ele que não sabia dançar, mas, ele insistiu e eu fui com ele para o centro da pista deixando que ele me levasse no compasso da música. Enquanto eu dançava com Bernardo, meus olhos procuravam por Erick Tatcher. Eu o localizei recostado indolentemente em uma pilastra, segurando uma taça e me olhando firmemente. Aquele olhar me deixava tonta e meu coração começou a dar pinotes. Errei o passo e olhei para Bernardo, num mudo pedido de desculpas.
_ Tudo bem, não faz mal. Você está se saindo muito bem. _ ele disse me dando um beijo no alto da cabeça. Será que Erick havia visto aquilo? Eu me senti ridícula com esse pensamento.
Passado o pânico inicial, eu até gostei de ensaiar alguns passos e dancei com praticamente todos os garotos da festa, menos com Erick, que continuava a me olhar constantemente. Eu pensei em chamá-lo para dançar, mas, acabei desistindo dessa ideia desvairada. Eu nem ao menos sabia dançar, como eu iria chamá-lo? E se ele também não soubesse? Outra idiotice! É claro que um garoto daqueles sabia dançar! E, supondo que eu resolvesse chamá-lo, como é que eu iria falar: _ “Oi, eu sonhei com você, quer dançar comigo?” _ Coisa ridícula!
Fiquei indecisa durante muito tempo ainda até que não o vi mais. Fiquei aterrorizada com o sentimento de abandono que experimentei quando ele desapareceu. Isso não podia estar acontecendo, eu mal o conhecia! Continuei dançando, fingindo não perceber que Erick não estava mais lá, mas, alguma coisa havia mudado dentro de mim e eu sabia o que era: Erick Tatcher havia invadido a minha vida irremediavelmente.
O baile estava animadíssimo, mas, mais ou menos às onze e meia, mais coisas estranhas começaram a acontecer. Meus convidados começaram a se retirar, tomados de um sono repentino e todos falavam que já estava muito tarde ao se despedirem de mim.
Não estava tarde e muito menos havia chegado o momento verdadeiro do meu aniversário, pois, eu só completaria dezesseis anos no dia seguinte. Eu pensei que após a meia-noite a festa estaria ainda melhor, que cantariam os parabéns e que fôssemos festejar até o dia amanhecer, porém, as pessoas começaram a ir embora (bem, algumas pessoas, porque meus tios e primos não pareciam nem um pouco cansados, tampouco a D. Ambrosina ou a família de Erick).
 O que realmente me causou estranheza foi Bernardo e Sissi irem embora porque, segundo eles, já estava de madrugada e eu precisava descansar. Ainda faltavam quinze minutos para a meia-noite! Que história era aquela de “já estava de madrugada”? Não houve meio de fazê-los ficar e eu também não via nenhum de meus parentes com a menor sombra de sono.
Quando quase todos os convidados haviam ido embora, minha mãe convidou a restante das pessoas a entrar em casa. E foi aí que o meu espanto foi maior: Nossa sala de visitas havia se transformado num enorme salão (como?) em estilo vitoriano, com pé direito alto e magníficos lustres de cristal no teto abaulado onde estrelas cintilavam e pareciam estar se movimentando. Para aumentar o meu susto, à medida que as pessoas iam entrando, as roupas de cada um iam se transformando em trajes de gala e quando eu olhei para baixo, o meu vestido verde havia se transformado num modelo tomara que caia de brocado marfim com folhas bordadas em ouro no tecido inteiro e com uma estupenda saia rodada, salpicada de pequenas flores que pareciam de verdade. Minhas mãos estavam cobertas por luvas de renda que chegavam acima do cotovelo e meu cabelo, antes caído sobre meus ombros, estava preso num coque no alto da cabeça e eu pude ver por um dos espelhos que havia no salão (de onde surgiram aqueles espelhos?), que havia minúsculas pérolas em todo o penteado e que eu estava usando uma gargantilha de pedras que pareciam imitação de diamantes _ pelo menos eu achava que era imitação, não é possível que fossem diamantes de verdade.
Sinto muito, não havia como não intrigar-me com aquilo tudo, ainda que eu me lembrasse do tempo todo do pedido de mamãe. Parecia que eu havia sido transportada ao século XIX. Um relógio antigo que eu também não conhecia soou as badaladas da meia-noite e eu vi D. Ambrosina tomar lugar à frente de todos. Os convidados que ficaram se reuniram em um semicírculo e minha mãe me puxou para dentro, no meio do salão onde havia um caldeirão de bronze cuspindo imensas labaredas de fogo.
Então eu vi o bolo de aniversário com dezesseis velas acesas no meio da sala e os convidados sorridentes cantando parabéns com entusiasmo. Quando pararam, minha mãe me levou para frente e eu apaguei todas as velas com um sopro. "Não é agora que eu deveria fazer um pedido?" Eu pensei atordoada, mas não disse nada. No aplauso que se seguiu, minha mãe pegou minha mão e olhou para mim, séria agora.
_ Carol, _ ela falou solenemente _ nossos convidados cantaram os parabéns não só pelo seu aniversário, mas, também porque esse é um dia muito especial para nós, é o dia em que você tomará conhecimento da nossa verdadeira natureza.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa ela continuou:
_ O que está para acontecer mudará para sempre a sua vida. _ ela fez uma pausa para respirar _ Esse fogo que está ao seu lado é o Fogo Sagrado que mantém acesa a nossa existência. Eu quero que você saiba que nós somos todos bruxos, minha filha.
O quê? Bruxos? Caraca! Bruxas em Pitangui? Eu já tinha ouvido falar de dragões em Pompéu e sempre ouvi rumores de bruxas, bem como vampiros, mas eu pensei que tudo isso era apenas histórias para crianças. Nem em todos os meus pesadelos eu poderia imaginar ouvir uma coisa dessas. Aquele pessoal todo era um bando de bruxos? Então, onde estavam minha mãe e meu pai? O que eles haviam feito com a minha família? E meus amigos? Todos já haviam ido embora, eu estava sozinha com essa gente! Eles prepararam tudo!
Minha mãe, ou melhor, aquela bruxa que estava falando comigo deve ter percebido o meu susto, porque colocou os braços ao redor de mim, me amparando (ou me segurando para não fugir?) e continuou a falar:
_ Hoje é o dia em que o Poder chegará às suas mãos. Ao completar dezesseis anos, estava previsto você receberia das mãos da Grande Mestra Ambrosina todo o Poder que lhe pertence desde que você nasceu e que, por motivos que lhe revelaremos em breve, lhe foram retirados, para o seu próprio bem. Você também é uma bruxa!
_ Humpf! _ eu não consegui dizer nada e não preciso falar que não havia nenhum algodão-doce a postos para me engolir e me salvar de tudo aquilo.
Dizendo isso, ela me levou até Ambrosina. A sala escureceu um pouco deixando-nos numa suave penumbra apenas suficientemente clara para que eu pudesse ver as feições de cada um dos presentes.
Eu não consegui me calar mais:
_ Bruxa? Eu? Caraca! Quer dizer então que, tipo, toda aquela história de Harry Potter, Hogwarts, Lord Voldemort não é só ficção?
Ambrosina riu:
_ Sim, filha, você é uma bruxa muito poderosa desde que nasceu. Seu poder teve de ser retirado de você ao vir ao mundo. Nós todos sabíamos que você deveria receber o Grande Poder de volta quando completasse dezesseis anos e é essa a razão de estamos todos aqui
_ Hã? Poderosa? _ eu ainda não sabia o que pensar daquela insanidade toda. _ E essa história de eu ter perdido meu Poder? Por que isso teve de ser devolvido exatamente agora, no meu aniversário de dezesseis anos?
E Ambrosina continuou:
_ Isso lhe será revelado no momento oportuno. Quanto a Harry Potter e Hogwarts, tudo isso é ficção, mas, a autora escreveu muito bem sobre nós. Agora, fique sossegada, Lord Voldemort não existe, pelo menos não do jeito que você imagina.
Essa última fala da D. Ambrosina me assustou. Lord Voldemort não existe... Do jeito que eu imagino ele não existe, mas... Existiria um bruxo do mal? Foi isso que eu entendi da sua fala, mas tive medo de perguntar.
D. Ambrosina estendeu suas mãos e pegou as minhas entre as suas. Um choque elétrico percorreu todo o meu corpo enquanto ela dizia:
_Ana Carolina Couto Jardim, receba pelas minhas mãos o Poder que sempre lhe pertenceu. Use-o com Sabedoria e Prudência para defender sua própria vida e para proteger toda a comunidade Bruxa.
Ao acabar de dizer essas palavras, ela colocou as mãos sobre a minha cabeça e eu senti novamente uma onda elétrica me transpassando todo o corpo, como minúsculos choques. Pequenos raios pareciam se desprender do meu corpo, numa agitação oscilatória, bastante parecida com o movimento “browniano” dos átomos que estudamos em Química.
Não havia varinha, nem palavras mágicas, não havia poção que eu tivesse que beber, nem uma escola onde eu tivesse que estudar... Teria apenas que receber das mãos abençoadas da D. Ambrosina, aquele Poder que diziam que me pertencia e cujo tamanho eu não conhecia.
De um momento para o outro, eu me senti outra pessoa. Os raios haviam parado de se desprender do meu corpo naquele movimento caótico, tudo parecia normal, mas, EU estava diferente. As coisas faziam mais sentido, eu via os fatos com mais clareza e podia sentir a atmosfera ao meu redor como se a minha mente estivesse mais aberta. Eu olhei para os presentes que estavam à minha volta formando um círculo. A luz do Fogo Sagrado refletia nos olhos de cada um deles, em movimentos bruxuleantes.
De repente eu percebi que, tipo, TODAS as coisas bizarras que aconteciam comigo eram exatamente porque EU era uma bruxa! A bola parada no ar no dia em que Bernardo caiu, Sissi me ouvindo gritar quando eu precisava dela e mais um montão de coisas das quais eu acho impossível me lembrar agora, mas, sei que aconteceram e que foram muito extravagantes.
As pessoas a minha volta se aproximaram para me dar os parabéns. Todos eram bruxos... Meu pai e minha mãe também... Aquela linda família que chegou por último à festa... Meus tios e primos... E, se todos eles sabiam da sua condição de bruxos, por que somente EU não sabia de nada? E por que meu Poder me foi retirado ao nascer? E por que nós morávamos como uma família normal, em uma cidade normal, meu pai tinha um emprego normal e tudo o mais? E por que... E por que... Eram tantos os por quês...
Charlotte e Robert se aproximaram para me cumprimentar e logo atrás deles vinha o belíssimo Erick, me encarando com seus olhos escuros. Ele tinha os cabelos negros jogados descuidadamente sobre a testa divinamente soberba, exatamente como eu me lembrava no meu sonho. Como no sonho, aquele olhar me deixava desconcertada e eu não sabia dizer por quê. Talvez fosse porque eu via neles uma espécie de ironia calada... Será que ele não gostava de mim? Ou será que ele sabia que eu havia sonhado com um beijo dele?  Eu recomecei a suar frio e meu coração voltou a dar pinotes.
Minha mãe se aproximou de mim junto com eles e, enquanto eu recebia um beijo de Charlotte, ela colocou a mão sobre os ombros de Erick. Pelo gesto eu percebi que ainda havia algo mais que eu não sabia e que, muito provavelmente, eu não iria gostar nada.
_ Minha querida, Charlotte e Robert são grandes amigos. E, embora você seja uma bruxa poderosíssima, ainda não sabe como fazer as coisas e nem sabe como usar o Poder, por isso Erick ficará ao seu lado, será seu guardião até você aprender a controlar todo o Poder que tem.
Eu levantei a cabeça a fim de olhar para Erick, pois, ele era tão ou mais alto que Bernardo. Agora eu podia entender a causa daquele sorriso irônico quando ele se aproximou de mim. Eu com uma babá! Era o que faltava!
_ Hã... Mãe, eu preciso mesmo disso? Tipo... É claro que não preciso de babá, né? _ Eu havia desistido de esperar socorro por parte dos algodões-doces, então, o desespero transparecia em minha voz, deixando Erick a sorrir ainda mais divertido.
_ Você não faz ideia do quanto você precisa da presença constante de Erick. Ele é um bruxo influente e, apesar da sua pouca idade, tem outras qualidades que nenhum de nós possui. É a pessoa ideal para proteger você. Além do mais _ ela continuou _ pela sua idade, ele pode acompanhá-la à escola sem levantar suspeitas!
“Oh! Não! Até na escola eu teria esse grude no meu pé?” _ pensei. Eu não gostava disso e quanto mais furiosa eu ficava, mais ele parecia se divertir com isso, parecendo também não gostar nem um pouco de mim.
_ Faremos tudo que pudermos para protegê-la, querida! _ a linda Charlotte parecia sincera.
Quem disse que eu precisava de proteção? Pelo que pude entender eu precisava de um professor para me ajudar a controlar meu Poder que, diziam, era imenso.  Eu não precisava de alguém para me proteger! E, se é que eu realmente necessitava de proteção, seria contra o quê? E de que valia todo esse meu Poder se eu não conseguia me proteger? Como eu defenderia a comunidade bruxa, conforme Ambrosina havia dito antes, como eu defenderia minha vida e a vida de outras pessoas, como eu faria o bem se eu não era capaz de cuidar da minha própria proteção?
Abaixei a cabeça numa concordância muda e pedi licença. Queria ficar um pouco sozinha. Eu precisava de um tempo para me acostumar com a ideia de ser uma bruxa, se é que eu me acostumaria.
Saí para a escuridão da noite e me sentei em um dos banquinhos colocados no jardim especialmente para a festa. Embora minha saia rodada atrapalhasse um pouco, eu consegui me sentar de lado com os pés sobre o banco, abraçando minhas próprias pernas.
Estava com meus pensamentos tão longe dali que não vi quando Erick se aproximou de mim:
_ Será que a princesa da noite aceita a minha companhia ou quer continuar sozinha na escuridão?_ ele tinha uma voz suave e musical que não combinava com o olhar zombeteiro que ele sempre lançava para mim.
O rosto helênico era absurdamente bonito. Porque será que eu via ironia em tudo que vinha dele? Eu precisava parar de tremer toda vez que ele chegasse perto de mim.
_ Por que eu preciso de proteção?
Minha pergunta brusca deve tê-lo assustado, pois, ele engoliu seco antes de responder:
_ Não sei se eu posso falar com você sobre isso. _ ele respondeu, cheio de mistério. _ Com certeza seus pais lhe dirão mais tarde qualquer coisa a esse respeito. Tem algo a ver com uma profecia feita no dia do seu nascimento._ ele se calou subitamente e praguejou baixinho, como se tivesse falado alguma coisa que não devesse.
_ Foi por isso que meus pais se esconderam comigo aqui nesta cidade?
_Hã... Bem, sim! Até você ter seu poder de volta. _ ele parecia relutante.
_ Que é exatamente agora, aos dezesseis anos! _ eu afirmei ironicamente, pois aquilo tudo me parecia absurdo demais para ser levado com seriedade.
_ É! _ Embora parecesse estar meio chateado consigo mesmo por ter falado demais, Erick não parecia ver nenhum contrassenso ali!
_ Você disse que há uma profecia a meu respeito e que, por causa disso, meus pais se esconderam comigo?
_Já contei tudo o que sabia sobre isso. _ ele respondeu com impaciência, o cenho franzido, parecendo mais bonito agora que estava nervoso comigo _ Quando chegar o momento seus pais vão colocar você a par de tudo, fique sossegada.
Ele falava de um jeito gentil, diferente, pronunciando bem as palavras, não era do jeito largado que meus colegas falavam. Seu sotaque era interessante, com uma inflexão ímpar e eu não consegui distinguir de onde poderia ser (Inglês? Alemão? Russo?). O jeito perfeito com que ele falava era mais ou menos como a minha mãe insistia para que eu falasse. Mesmo encantada com ele, eu ataquei:
_ E vão esperar mais dezesseis anos? Até quando eu vou permanecer na ignorância como uma idiota? _ eu rolei os olhos e soltei uma risada que soou estranha.
Erick me olhou. Sua expressão estava inabalavelmente serena e eu não gostei do que vi em seus olhos. Comecei a falar de maneira destrambelhada:
_ E... Sobre este... Novo mundo, hã, que estou conhecendo agora... Quero dizer, tipo, bruxos e bruxas... Criaturas sobrenaturais... Quem mais existe?
_ Ha, ha! O que você quer dizer com “quem mais existe”?
Eu fervi de raiva, ele estava caçoando de mim.
_ Você sabe o que eu quero saber, Erick! Quais são as criaturas sobrenaturais que existem?
Ele girou os olhos, demonstrando um misto de seriedade e loucura ao dizer:
_ Acho que você deveria pensar um pouco mais em quem não existe, porque, pelo que sei, o mundo está cheio de todas as criaturas, se você quer chamar assim, que você achava que não existia. Você não é uma delas?
_ É difícil para mim me acostumar com a ideia de ser uma bruxa, eu achava que fadas e bruxas só existiam nas histórias...
Eu continuei, pensativa:
_ E sobre... Vampiros, lobisomens e outros monstros tipo, centauros, sereias e outros?_ eu perguntei receosa da resposta.
_ Para a sua informação, bruxos, vampiros e lobisomens não são monstros._ seu rosto era uma máscara de raiva e ele estava assustador _ E não há nada de sobrenatural nisso. O bem e o mal acontecem a toda hora no mundo inteiro, também entre pessoas normais e não somente entre criaturas misteriosas!
E ele continuou a falar freneticamente como se quisesse convencer o mundo inteiro:
 _ Nós não ficamos por aí nos mostrando e é por isso que a maior parte das pessoas acredita que nós não existimos! Ou então acreditam que nós somente fazemos o mal!
_ Você tem razão. Pelo que estou começando a entender do mundo “sobrenatural”, existem pessoas que se dizem normais e têm um comportamento muito mais monstruoso do que criaturas sobrenaturais.
Ele girou os olhos.
_ Eu já falei que não existe nada de sobrenatural.
_ Ah! Mas você não vai querer me convencer que somos, tipo, pessoas iguais as outras! Não me venha com essa agora!
_ Olhe... _ Erick começou...
_ Erick, desculpe, eu já tive emoções demais para uma noite só e ainda existe muita coisa sem explicação. Vou para o meu quarto agora._ e, dizendo isso, me afastei.
Quando eu entrei no grande salão onde todos estavam reunidos, mamãe e papai me olharam interrogativamente.
_ Será que haveria algum mal se eu fosse para o meu quarto agora? _ eu fiz essa pergunta numa atitude de respeito para com aquelas pessoas que vieram sei lá de onde somente por minha causa. Será que não seria deselegante?
Ambrosina se adiantou:
_ Vá minha querida! Você passou por muitas emoções hoje. Amanhã nós continuaremos a conversar sobre as outras coisas que você precisa saber. _ ela me deu um beijo na testa e eu fui beijar minha mãe e meu pai. Quanto ao resto das pessoas, eu apenas acenei com a mão.
O meu quarto parecia o lugar mais aconchegante do mundo nessa noite. O carpete rosado abafava meus passos. Lentamente, eu fui desmanchando meu cabelo e tirando as luvas, desabotoando o vestido que caiu pesadamente no chão e me enfiei na minha malha de dormir. Eu havia separado uma camisola nova para comemorar meus dezesseis anos, mas, àquela hora, meu velho e confortável pijama era meu único elo com minha antiga vida.
Eu me deitei somente para sentir o aconchego da minha cama, porque eu tinha certeza que não iria dormir! Aquela cama branca com detalhes desenhados era aonde eu dormia desde a infância, quando eu sonhava que era uma princesa de contos de fada. Eu soltei uma risada rouca. Princesa, certamente eu não era, mas, jamais imaginei que eu pudesse ser uma bruxa.
 O que seria de mim agora? Meu Deus, eu era uma aberração! Por mais que Erick tentasse fazer tudo parecer normal, EU não me sentia normal! E se eu atingisse alguém sem querer? Sissi, Bernardo... Eu teria que me afastar deles... Eu já sou muito desastrada sem ter poder nenhum para dominar, imagine agora, com poderes de bruxa? Posso machucá-los, colocá-los em risco... Erick falou que eu preciso de proteção por causa de uma profecia, isso significa que eu vou ter que manter meus amigos afastados se eu quiser vê-los longe de encrencas.
Comecei a chorar baixinho! Não era justo! Como seria com Bernardo? E Sissi? Eu teria que me afastar da minha melhor amiga também, para o seu próprio bem. E se ela e Bernardo descobrissem a verdade sobre mim? Nenhum dos dois iria querer me ver nunca mais, teriam medo de mim, se afastariam...
Eu não vou suportar isso! Eu não vou suportar Bernardo dizendo que não me quer mais porque EU NÃO sou NORMAL. Eu não vou aguentar Sissi me dizendo que não pode mais ser minha amiga porque ela não poderia ser amiga de uma... Bruxa.
Teriam eles medo, se viessem a saber? Ou será que confiariam em mim? Eu ficava tentando me colocar no lugar deles. Se Sissi me dissesse que era uma bruxa, o que eu faria? Acho que eu não teria medo dela! E Bernardo? Se, de repente, eu ficasse sabendo que ele era um bruxo, eu acharia curioso, mas, tipo, não me afastaria dele...
Eu tenho certeza de que ela não seria capaz de compreender, NINGUÉM entenderia, ninguém que eu conheço jamais esteve nessa situação de não saber nada sobre a própria vida, de dormir como uma pessoa e no dia seguinte descobrir que é alguém completamente diferente!
Porém, não é só o medo da reação deles que estava me obrigando a afastá-los de mim, há aquela profecia... Parece que algo terrível me espera e ao meu lado eles correm os mesmos riscos que eu... E o pior é que eu nem sei que riscos são esses! Não posso deixar Bernardo e Sissi em perigo! O melhor para eles é que eu me afaste de todos.
As lágrimas continuavam a molhar meu travesseiro...
_ Por que meu destino teria que ser esse? _ Eu falei isso quase gritando, como se fosse uma prece! A quem? A quem eu deveria agora dirigir uma prece? Deus continuaria gostando de mim mesmo eu sendo uma bruxa? Eu me senti ridícula pensando assim porque eu não escolhi ser uma bruxa! Nasci assim! E quanto a Deus? Havia um enorme nó na minha cabeça.
Como isso dói! Não tem explicação, não há como entender!
Eu senti uma absurda saudade de Bernardo... Como eu não conseguisse dormir, então, eu fiquei durante muito tempo olhando as estrelas pela janela do quarto.
 _ Deus, por favor, me ajude! _ eu solucei amargamente.
E se eu não quisesse ser bruxa? Suponhamos que eu desistisse de tudo e devolvesse esse poder, pois, se eu vivi até hoje sem ele, eu posso viver o resto da minha vida do mesmo jeito! Mas, ainda que eu achasse essa ideia muito boa, eu tinha dúvidas de que fosse possível. Ainda chorando, eu deixei meus pensamentos vagarem e devo ter dormido porque, quando abri os olhos, a claridade do sol já entrava no meu quarto.

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